quarta-feira, 30 de maio de 2007

Artilheiro de Pau Grande

O meu grande momento no futebol internacional ocorreu no verão de 2006 – ou terá sido em 2005? Enfim...
Existe encravado entre as Serra dos Órgãos (onde se situam as cidades de Petrópolis e Teresópolis) e a baixada fluminense um pequeno pedaço de paraíso. Fazendo parte do município de Magé -o aprazível distrito foi escolhido por uma força tarefa bretã como o espaço ideal para a instalação de uma das sedes serranas da Companhia América Fabril. Prospectando a região os ingleses derrubaram centenas de arvores, entre elas uma de tamanho e espessura assustadores, que devia ter nascido na região antes do período das grandes navegações. Segundo a lenda da região era uma samauma gigantesca, e da sua madeira foi extraido o material para as instalações mais importantes da fábrica que transformaria a vida do lugarejo e de todos que por ali passaram. E emprestou-lhe o apelido: Pau Grande.
Se a madeira para as construções veio da abundante flora da raiz da serra, a terra e areia para as construções vieram de um pequeno morro situado a uns 500 metros da sede principal. A retirada da terra deixou recortada no relevo uma figura geométrica escalena de quatro lados. Trata-se de um trapézio com uma base maior de uns oitenta metros, e a outra de uns 60 Na Altura a que fica mais próxima a serra a medida é de uns 30 metros e do outro lado – que tem por fundos a cidade - uma altura um pouco maior de 45 metros talvez. Em cada ponto médio das alturas do trapézio se instalaram traves de mais ou menos 1,90 por 4 metros. Ao lado da base maior um grande barranco queéusado como tabela e do outro lado uma íngreme ribanceira protegida por mata fechada. Eis uma descrição física, perfunctória e insuficiente da lendária barreira de Pau Grande. Naquela terra, com seus ralos tufos de mato e pragas, nasceu para o futebol o seu mais precioso e genial artista- Mané Garrincha –e se realizam desde os anos quarenta( sempre depois da missa) as proverbias peladas de domingo de manhã.
Nunca foi tão correto chamar um esporte de pelada. Ouso dizer que a verdadeira pelada (sei que aqui estarei desagradando os peladeiros de Copacabana que tanto se orgulham de seu invento) é a que se pratica na barranca. Pois trata-se de um esporte derivado do futebol, que tem pontos em comum com este, mas que não pode ser com ele confundido. Primeiro não existem goleiros e faltas. Não por acaso os dois medidos anti-clímax do futebol.
Os gols só podem ser feitos de dentro de uma pequeníssima área de uns 6mts quadrados com os pés. Com a cabeça de qualquer ponto do terreno. A única falta punível é mão na bola. Não existe distinção entre a modalidade dolosa ou culposa, nem se leva em conta aspectos subjetivos da conduta, como a intenção tão polemica no futebol bretão. Mão na bola, em Pau Grande é gol. Gol direto, pois como já foi dito não existem outras faltas. O que quer dizer que as pernadas, agarrões, bandas e sarabandas, rabos de arraia e empurrões são liberados. A história relata que são quase nulos e não mereceram nota os casos de desentendimento entre os jogadores nestes quase 70 anos. Esta liberdade respeitosa dos usos e costumes só podiam existir mesmo nesta pequena Shagri-lá (como bem diz Ruy Castro em estrela Solitária). Somente povos desenvolvidos vivem em paz, sem repressão conscientes dos limites e conseqüências de seus atos e comportamentos.
Estas peculiares características tornam o jogo singular. O meio de campo ( tão valorizado entre os futebolistas) é quase um latifúndio ocioso ali naquele pé-de-serra. As ações se concentram nas áreas e pontas. Ali é que as coisas acontecem. E foi ali, em uma daquelas traves que eu entrei definitivamente para a história, concluindo de testa ( queixo no peito e queixo no ombro) , de olho aberto e pra baixo, como meu irmão me ensinou, um cruzamento da direita. Não me recordo o autor do cruzamento. Se eu não recordo nem o ano em que tudo acoteceu. Do instante, entretanto, em que fiz o meu primeiro gol no campo do Garrincha não esquecerei jamais. Estas recordações, esta lua e este conhaque estão me deixando como o diabo gosta. Pararei por aqui. Quem não quiser acreditar pode procurar o meu amigo Arlindo Ventura da Silva no Torto Bar. Ele, que foi o primeiro de nós a pelear naquelas terras distantes, não me deixará mentir. Quem ainda assim não se conformar tem meu convite para ir a Pau Grande e procurar o seu Emidio. Sempre de galochas de borracha ele, que foi amigo e contemporâneo de Manè, se ocupa em providenciar a súmula das milhares de peladas que ocorrem semanalmente naquele solo sagrado. Numa das sumulas de janeiro de 2006( ou terá sido 2005?) você encontrará na lista de artilheiros:
Russo – 2 gols ( um em cada tempo).

2 comentários:

na estrada, na batida... disse...

polaco... alucinaa con que precisao relatas essa lembranza, incrível, nao estive lá más conservo muuuuitas peladas na memória, acabas de reviverlas... interminaveis tardes, manhas e noites de suor, tocando o pau na pelada, sem regras e sem juizes... só alegría... salve mané, salve russo...

Henderson disse...

Outro dia conversando, com o Magrão, soube de mais detalhes sobre sua estreia em Pau Grande. A chuva torrencial, a espectativa acerca da realização ou não da pelada. Ele também não se recorda do autor do cruzamento. Pois é, não perguntei sobre o ano. O que importa é que meu irmão é um artilheiro de Pau Grande.