
A história internacional da infâmia escreveu mais uma de suas paginas bizarras com a recente eleição da “novas maravilhas do mundo”. Quer dizer, nem é tão recente assim. Eu é que demoro para sair da minha cômoda obscuridade. Sabe-se que a coisa toda foi uma grande farsa, que serviu a empresas de telefonia e servidores de Internet e o negócio deu tão certo que não demora aparecerão outras “eleições” como essa. As pessoas adoram participar destas baboseiras por telefone. E, depois de idas e vindas, o nosso Cristo Redentor-braços-abertos-sobre-a-Guanabara elevou-se ao píncaro desta glória – é uma das maravilhas do mundo. É O Brasil - sil na parada. Neste momento gostaria de convidar o amigo a raciocinar, muito superficialmente, comigo:
_ Te parece correto que a principal representação da imagem do país seja uma estatua de pedra sabão de um estrangeiro? Imagem que nos foi nebulosamente presenteada por um Estado que, em outras épocas, foi invasor de nosso território e contrabandista das nossas riquezas? Estatua que representa um ícone religioso sob cujo o signo se perpetrou o maior genocídio de que se tem noticia em solo brasileiro?
O Cristo encravado no principal morro do antigo território Tamoio é a perenização da conquista, da violência e do extermínio. A maior nação católica do mundo, epíteto que orgulha as nossas famílias, por vezes parece esquecer cm quanto ferro e quanto fogo se forjou esta condição.
Ta, vamos com calma. Em primeiro lugar por que só os cristão tem uma estatua no alto da montanha? O que eles tem que os outros não tem? Não somos o país da democracia racial e do sincretismo religioso? E porque apenas o profeta palestino? Uma alternativa poderia ser a diplomacia ecumênica. Botar um grande Buda sentado sobre a Pedra da Gávea, uma imagem de Alah no seu Jardim no Leblon, e Krishna tapando o sol com a peneira no Morro Dois Irmãos. E por todo o país uma cordilheira panteísta onde cada tribo poderia promover romarias e cultos, fomentando o mercado informal. Grave problema seria o dos evangélicos e protestantes que renegam os ícones. Precisariam construir templos ainda maiores para competir com as belezas naturais e seus pingentes santos.
A solução faz água pois me assalta a certeza que o poder público desprezaria solenemente os orixás e as outras entidades afro-americanas, além Tupã e seus amigos. Justamente eles, que são os verdadeiros guias espirituais desta terra. Nunca consegui entender porque ainda negamos a nossa origem e a cultura, as tradições, as religiões africanas. Mas vá lá, tem muita coisa que eu não consigo entender.
O gosto por estatuas. Pombos e governantes são sócios do mesmo gosto. Mas partamos do principio que governar é erguer estatuas, e que isto é inevitável. Porque não substituir a estatua do carpinteiro de Jerusalém, pela dos verdadeiros heróis brasileiros? O cristianismo tem um discurso até interessante de paz e coisa e tal. Mas se a bíblia conta que Jesus em seu primeiro milagre transformou a água em vinho dá pra dizer que aquele foi o ultimo vinhozinho cristão que rolou. Depois, o que rolou foi sangue. Sangue para todo o lado (até hoje em milhares de igreja o que o padre toma não é vinho - é sangue meu amigo, tu não sabias?). Sangue de gente como Cunhanbebe, o líder tamoio que resistiu a invasão portuguesa e comeu – antropofogicamente, no bom sentido - muita carne de fidalgos, soldados, grumetes e jesuítas que ele derrotou. Foi dizimado, ao lado de todo o seu povo (verdadeiros donos das terras onde hoje está a estatua) por Mem de Sá e José de Anchieta. Dois heróis de nossa história clerico-oficial. Mas voltando a estátua. E por que não uma estatua de Zumbi dos Palmares? Ou Cartola? Ou Pelé, Zizinho e Garrincha?
A melhor proposta até agora eu ouvi do Cactus Intactus (quem não sabe do que se trata – a farcnização da cultura – vai correndo procurar). A remoção – ou demolição da estatua na maior performance de arte descontrutivista e iconoclasta da história ocidental. Um espetáculo grandioso, com cenários de Joãzinho Trinta. Séculos de dominação e apatia desaparecendo. Um novo Brasil , sem a paranóia do olhar ubíquo e ameaçador do criador, renascendo nas cinzas deste carnaval . O povo, de novo, na rua a cantar: laialaiá.
Aos que chegarem até aqui , indignado com as heresias de um ateu hediondo – peço licença para mandar sabias palavras de Ariano Suassuna no meu lugar:
_ “ Não. Não sou ateu . Ateu é quem não acredita em Deus. Eu até acredito. Só não vou muito com a cara dele”.
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