segunda-feira, 7 de julho de 2008

As pernas de Cyd Charisse

Tomava pela manhã um tinto colombiano e lia as folhas como de costume. Estava lá numa daquelas notas ao pé da página. Cyd Charisse morreu, em LA, aos 87 anos. Deve ser bonito ter 87 anos. Eu gostaria de chegar lá. Sei que não vai ser fácil. Por outro lado existem certas idades que não vestem bem certas mulheres. São cruéis e inapropriadas. Vejam o exemplo desta mulher que se faz passar por Brigitte Bardot, falando de lêmures e tartarugas. Uma impostora, bem sabemos, ou então pra que existiria o cinema? Brigitte Bardot vai ter eternamente 21 anos, nua na praia, quando Deus criou a mulher. Sei que o tom parece meio cafajeste. Talvez por que vamos falar um pouco sobre os anos 50. Quando as mulheres ainda não se ofendiam quando sua beleza era reconhecida e os homens se esforçavam para ser ingênuos cafajestes românticos.
Cyd Charisse vai ter para sempre, 31 anos. Idade que ela tinha quando enroscou Gene Kelly – e gerações de homens e meninos – em suas longas pernas, lindas e perfeitas. Esculturais – como se dizia na época. Quem quiser saber do que eu estou falando alimente o vídeo com Cantando na Chuva (1952). Ela renascerá com o auge espantoso da sua beleza. Falávamos de como é cruel “aquela” mulher não existir mais Deve ser pior ainda para uma dançarina de cinema, envelhecendo enquanto morriam os filmes musicais. Tanto que Cyd pendurou as sapatilhas cinco anos mais tarde, enfeitiçando Fred Astaire em Meias de Seda.
Enquanto durou, entretanto, Cyd Charisse foi a mulher mais bonito do seu tempo - na minha polemica opinião . Tinha um rosto de impassível compostura, da mulher que não se abre - que tanto enlouquece os homens. Ouso dizer que nisso ela lembrava e superava Ava Gardner (para Sinatra “o animal mais bonito que já andou sobre a terra”). Nunca será lembrada por seu talento dramático, ou pela formação de bailarina clássica. Cyd é este rosto que descrevi e também as suas pernas “ cujo desenho deve estar perdido em algum escaninho celeste, pois nunca mais foi repetido”segundo Ruy Castro.
Nascida no Texas começou a dançar quase ao mesmo tempo em que aprendeu a engatinhar. Seu pai era um comerciante de jóias entusiasmado por ballets e peças musicais. Como quase todo mundo do seu tempo – algo irreal nos dias de hoje. Seu nome de pia que não ajudava – Tulla Ellice Finklea. E ela tentou uns outros tantos até conhecer o coreógrafo francês Nico Charisse, com quem se casou e de quem herdou o nome. Antes havia tomado aulas com Bronislava Nijinska, irmã do celebre Nijinski. Depois de fazer a Broadway e a Europa, aportou em Holliwood em 1943.
Foi coadjuvante em inúmeros musicais. Alguns deles muito bons, mas Cyd nunca recebia o melhor numero. Quer dizer, lembro apenas de um belo dueto flamenco com Ricardo Montalben num filme que eu não imagino o nome. Depois sabe-se que ela quebrou uma das lindas pernas nos ensaios de Easter Parade, quando finalmente estrelaria com Astaire. Dois anos depois perdeu o papel da namoradinha de Gene Kelly em Sinfonia de Paris por estar grávida.
Parecia que nada mais aconteceria até que veio Cantando na Chuva. Quem nunca viu a grande seqüência final, meio psicodélica, que mostra o jovem sapateador ingênuo que cai nos braços de uma deslumbrante mulher fatal, num Cabaré? É preciso que se veja. A mulher despreza o jovem talento, em troca das jóias que um gangster lhe oferece Parece meio prosaico, mas trata-se da uma das cenas mais eletrizantes do cinema. Cyd Charisse de melindrosa verde, colante ao corpo, franjinha preta de cocotte, seduzindo e humilhando Gene Kelly. Má e destruidora com seu cigarro. Sem falar das pernas...
Que reapareceriam em grande estilo em Roda da Fortuna. Agora finalmente co-estrelando com o grande mestre dos musicais, Fred Astaire. Dois filmes que, por certo, serão revistos esta semana. O ultimo grande filme de Cyd Charisse é também o meu preferido. Meias de Seda, de novo com Astaire. Cyd vive o apropriado papel de Ninotchka, a gélida espiã soviética, que já fora interpretada por Greta Garbo nos anos 30. A grande cena é quando Charisse experimenta deslumbrada, as silkstockings americanas. Tudo ao som de All of you de Cole Porter. Um poema. O filme é uma sátira devastadora a União Soviética, mas Vinicius de Moraes, na época critico de cinema, disse que a cena “ valia uma Terceira Guerra Mundial”. O cinema, os musicais e as mulheres nunca mais foram os mesmos depois dos anos 60. Charysse voltou aos cabarés e clubes noturnos, num numero – que fez sucesso por uns 40 anos - ao lado de seu marido Tony Martin. Martin era um cantor meio vira-lata e charmoso. Espécie de Miele americano. Nunca entendi o que ela viu nele que não viu em mim. E hoje me contaram que ela morreu.

Nenhum comentário: