segunda-feira, 7 de julho de 2008

"O homem tá brabo"


Finalmente a Praça Osório recebe o plinto e o busto do patrono da cavalaria
Se não contarmos as seis ninfas de bronze que ficam dentro do chafariz, a Praça Osório tem oito estátuas. Cada qual fincada sobre seu plinto. Todas são bustos em bronze de figuras de vultos da história do Brasil e do Paraná. Como que dando as boas vindas a quem chega pela Rua XV, na face norte há uma estatua sorridente de Tancredo Neves. Perto do plinto do ex-futuro presidente fica uma escultura de concreto, meio escondida entre as arvores na direção do Edifício Garcez. O monumento lembra o comício que deflagrou a campanha pelas eleições diretas. Outras sete estátuas se espalham pela praça, à partir do chafariz. Percebe-se que nenhum plinto fica sem busto na praça mais central de Curitiba. O fato representa uma vantagem nossa sobre uma cidade como, por exemplo, Londres. A praça mais central de lá – a Trafalgar Square - é famosa por contar com quatro plintos e apenas três bustos. Na Praça Osório não. Há um busto para cada plinto (o dicionário Houaiss nos conta que o plinto é a base retangular de uma coluna, supedâneo onde se apóiam as estatuas). Apesar de que de três dos nossos oito bustos - os três que ficam cravados na direção da rua Vicente Machado - se tenham arrancado as placas dos respectivos pedestais. Restaram apenas as cabeças sem nomes por sobre os plintos.
Das homenagens identificáveis três saudam poetas locais. Uma lembra de Domingos Nascimento (“eu sou da terra dos urios bravos/que pendem haste por sobre o mar”). Quase no centro da praça, de frente para o Edifício Santa Julia, o plinto homenageia o poeta Raul Messing. Perto do hoje portenizado Bar Stuart há a imagem de Hercules Emiliano Perneta. A oitava estatua foi inaugurada no ultimo dia 06 de maio, numa fria e luminosa manhã de outono.
Em 2008, o Exército Brasileiro está comemorando o Bicentenário de nascimento do Marechal Manoel Luis Osório, o “legendário”. Escolhido como Patrono da Arma de Cavalaria, por “encarnar em vida os ideais de coragem, arrojo e habilidade no combate, se inseriu na história do Brasil como um de seus personagens mais significativo”. Osório já dava nome à praça desde sua inauguração em 1916, mas só agora se providenciou uma imagem sua para o logradouro.
O busto fica quase em frente à entrada dos banheiros públicos, meio que dando de ombros para o de Emiliano Perneta, logo ao lado, e parece olhar gravemente para o pássaro preto da fonte principal do chafariz. A homenagem, segundo o texto gravado no plinto, tem a intenção de “difundir a vida e os feitos do Marechal, estimulando o culto aos grandes vultos nacionais e reverenciando a data de seu nascimento, assim relembrando a personalidade desse grande militar, exemplo para todas as gerações de nosso país”. A inauguração teve toda a solenidade e a circunstância que a ocasião exigia.
Os clarins da banda militar - Às oito e quarenta da manhã o responsável pelo cerimonial dava orientações à formação que, em circulo, cercava o chafariz:
_ Primeiro o clarim, depois o toque da corneta. Aí é o momento de apresentar armas. Hei vamos prestar atenção...
O busto do Marechal ficava todo o tempo protegido por quatro lanceiros. A Lança foi a arma de guerra “firmemente empunhada pela poderosa destra do patrono da arma ligeira”, e estas traziam em suas pontas a reprodução de seu brasão de armas. A Lança original, a usada pelo marechal no campo de batalha, está de posse Fundação Parque Histórico Marechal Osório. Lhe foi doada na Campanha do Uruguai, pelo General Bento Ribeiro que à época teria dito: "Alferes Osório entrego-te minha lança, pois tenho certeza que o senhor a levará mais longe do que eu a levei".
À 5º batalhão de Cavalaria de Guerra coube a honra de apresentar armas a seu patrono. Logo atrás um pequeno destacamento da policia militar. A banda sinfônica do Exército (em versão enxuta), regida pelo maestro Benito Juarez ficou na única parte toda iluminada da ágora principal. A seu lado duas turmas da 4ª série do Colégio Municipal Caramuru. Completando o círculo, alunos do Colégio Militar vestindo blusas de lã bege e boinas azul-claras. Quem passava pela Praça, vindo da Rua XV era orientado a desviar toda o conjunto para só então alcançar o prolongamento da Alameda Cabral. Muitos transeuntes praguejaram o Exercito Brasileiro por aquele desconforto. A área restrita– próxima ao plinto de Osório - estava reservada para as autoridades convidadas. O ensaio prosseguia:
_ Agora o General Araken, o oficial mais antigo da cavalaria do Exército Brasileiro, e o Vice-governador vão depositar a corbelha de flores no pé do busto do Marechal...
Na falta das autoridades durante o ensaio, dois jovens alunos do colégio militar lhes faziam as vezes . A cena precisou de três repetições até que ficasse perfeita, já sob os olhares de muitos circunstantes. Um dos curiosos (aparentemente embriagado) perguntou:
_ “Este aí é que é o vice-governador?”
Os populares o vaiaram. “Vamos respeitar o Exercito”, repeliu um senhor de cabelos grisalhos. O vice-governador, em pessoa, só deveria chegar às 10 horas, ainda falavam uns 45 minutos. A tropa permaneceu em posição de sentido durante todo o ensaio. A exceção foi um dos veteranos do batalhão, há quatro anos lotado na Policia do Exército - umpastor alemão de nome Farus. Ele aproveita um facho de sol entre as arvores da praça para se espreguiçar languidamente. Outro que tenta aproveitar o sol é o Tenente Coronel Caffé. O oficial não está formado, apenas prestigia a cerimônia e parece bem disposto e sorridente. Até que encontra o soldado Guilha, usando uma boina verde oliva e seu humor muda:
_ O Sr. Está travestido soldado? Onde está a sua boina preta?
O soldado se aproxima e conta baixo, ao pé do ouvido do tenente, a razão do equivoco indumentário. Não se pode ouvir a explicação, apenas a reação indignada do Tenente:
_ Então “vamo” embora. Onde já se viu cavalaria de boina verde?
O ensaio acaba, o tempo passa e as autoridades não chegam. O mesmo senhor grisalho que pedia respeito agora comenta : “se os homens não chegarem até as dez e meia, eu vou embora”. O destacamento da Policia Militar se anima ao receber barras de cereais cobertas com chocolate, numa espécie de recreio. Ao lado, os alunos da 4ª serie, não recebem nada.
Mais respeitado do que a Igreja - Na hierarquia do Exército Brasileiro o posto mais alto é o de Marechal. No Brasil ele só é preenchido em caso de guerra e quando o seu detentor assume a chefia suprema do Exército. O marechal Osório só foi investido no posto em 1877, um ano antes de sua morte. Na cidade do Rio de Janeiro, a Praça em sua homenagem ainda o chama de General (famoso é o apelido dado à praça por Millor Fernandes, por conta da abreviação do nome no letreiro do bonde –“Gosório”).
Lá pelas dez e vinte da manhã, o tenente Ariel, corpulento e de óculos ray-ban, aparece escoltando o Vice-Governador e outros membros do executivo estadual. Agora a coisa é pra valer Ao toque da corneta do soldado Aroldo, todos assumem posição de sentido. Todos menos, Farus, descansado mais uma vez.
O chefe do cerimonial lê o texto com o resumo da biografia do Marechal. Assim o povo fica sabendo que “o primeiro e único Barão, Visconde e Marquês de Herval foi um soldado cuja bravura e audácia arrebatadora entusiasmava seus comandados nos assaltos das campanhas militares”. Desde que assentou praça na cavalaria, Osório participou de todas as batalhas que o Império travou no Sul do país; contra os revoltosos farroupilhas e contras os cisplatinos e paraguaios. Foi o único oficial a sobreviver a sangrenta batalha de Sarandi entre outras peripécias. O maestro Benito rege a execução do Hino Nacional Brasileiro. Todos cantam emocionados. O povo aplaude a performance da banda. Os militares sabem que não é de bom tom fazê-lo.
Chega o esperadoem que o General Araken, mais velho oficial de Cavalaria e que aparenta ser nonagenário, e o Vice-Governador Orlando Pessuti entregam a corbeille, a faixa é descerrada. O busto é oficialmente entregue às gerações futuras. Os boinas-pretas podem enfim descansar Alguns bocejam e se espreguiçam. Muitos buscam nos bolsos os celulares e os conferem. A banda ataca o arranjo de Ray Connif para “A aquarela do Brasil”. A tia da escola Caramuru não sabe bem o que fazer, se deve ir embora ou não. O pessoal da Policia Militar parece enfrentar o mesmo problema.
No plinto do Marechal lê-se: “É fácil a missão de comandar homens livres. Basta mostrar-lhes o caminho do dever”. O Sargento Medeiros, cioso do seu , arranca com um martelo os pregos que prendiam o pano ao pedestal. Outro soldado retira do chão as faixas amarelas e pretas que marcavam a posição da formação. Tudo é colocado numa sacola plástica com a marca de uma loja de departamentos Forma-se uma roda de velhos oficiais (a maioria usa broches do Exercito e da Maçonaria em suas lapelas) em volta da estatua do marechal. O Gal. Araken encara a expressão austera, hierática e os grandes e solenes bigodes de bronze do Marechal. Por alguns segundos faz-se um silencio curioso. Todos parecem esperar a opinião do velho general . Araken olha pro lado e comenta:
“_ O homem tá brabo, hein?”. Os outros riem e a conversa segue. Uma senhora pergunta se vão jogar as flores fora. Os soldados dizem que não e levam as flores ao caminhão. Dois PEs - os que se revezaram na guia de Farus - comentam impressionados a beleza da Sargento Lourdes. No púlpito um velho general lembra a frase de Osório “... no campo de luta para a vitória uma estrela guia em horizontes escuros”. Os alunos do Caramuru vão embora marchando - “1, 2, 3, 4”. Os dois últimos alunos comentam: “ Foi mais legal que a aula”. A corda de proteção é retirada enquanto a banda ataca um ultimo dobrado. As pessoas não precisam mais desviar. A Policia do exército é a ultima a sair. Os soldados se dirigem aos veículos que ficaram estacionados ocupando quase todas as vagas na rua lateral da Praça, até a esquina com a Sen. Alencar Guimarães. Justamente a área de cobertura do guardador de carros Lindomar - longas barbas brancas e muitas cicatrizes. Ao todo, quatro jipes, dois caminhões Mercedes Benz 1418 camuflados e seis motos Honda Walkyrie de 1300 cilindradas, com o brasão do exercito pintado no tanque de gasolina. As motos saem fazendo barulho, em fila. Perguntado se os militares haviam deixado a tradicional gorjeta, Lindomar responde: “_ Ih, aí demora né? Mas valeu a festa ...”. diz, resignado. Na roda ao lado do busto, já não está mais o general Araken. A conversa segue animada, entre outros veteranos: “_ Viram como juntou gente”? Todos concordam. Outro ex-oficial observa: “_ Todas as vezes que se fazem levantamentos sobre as instituições mais respeitadas o Exército fica na frente. Nós somos mais respeitados do que a Igreja”. Mais uma vez todos concordam, satisfeitos. O militar conclui: “_ O povão ainda gosta da gente”.

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