segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ladrões de nós mesmos

Pergunte a um torcedor da antiga n’algum boteco da cidade. Gente que pegou o futebol profissional já pra valer, depois dos anos 50. Quem foi o melhor jogador que já gramou por aqui? Fora as hienas, os deslumbrados e os nazistas (sempre os há) os que realmente entendem de bola vão dizer: Zé Roberto. Nesta, coxas e atleticanos concordam. O “gazela foi o mais fino e espetacular jogador de nossa história.
E porque então um craque tão sensacional – diziam que ele voava, tinha olho nas costas , era melhor que o Pelé – não brilhou na seleção, não teve glória e fortuna? Vicente Feola (primeiro técnico campeão mundial com a seleção e treinador do Zé no São Paulo) respondeu contado o apelido com que o chamava:
_ Por que ele era o “Ladrão. Ladrão de si mesmo.”
A melhor definição . Por aqui o “ladrão” foi tratado como um Rei. Num primeiro momento, é claro. Bajulado, protegido (“ele não se atrasa, os outros é que chegam cedo” disse um famoso dirigente). As portas se abriam. Zé Roberto com a insaciável gula dos artilheiros e dos faunos de paisagem de tapete caiu na noite.Drogas, mulheres e muita bebida e aos poucos sua arte murchou. Seu corpo e seu espírito também, os amigos se afastaram, o dinheiro foi rareando e o craque virou apenas um ladrão comum. Um “punguista” de si mesmo.
Como ele dezenas de geniais artistas viram definhar sua arte e suas vidas. Lembrando, rapidamente de alguns craques da bola e da música do século passado - para não irmos muito longe: Garrincha, Ray Charles, Billie Holliday, Hendrix, Reinaldo, Piaf , George Best, Noel, Iggy Pop, Hendrix , Heleno, Charlie Parker, Maradona ... Alguns apagaram cedo. Outros lutaram (ou estão lutando), com suas almas amarfanhadas, a guerra diária de tentar ficar limpo. Todos com pelo menos duas coisas em comum: a obra impecável e a doença implacável.
Precisamos ser cuidadosos ao analisar as semelhanças que os unem. Aquilo que os fez amados, idolatrados e eternos e aquilo que os matou, enlouqueceu e lhes roubou a essência. Muitas vezes atribuímos às pressões sociais, do sucesso, da grande roda-vida que nos empurra a todos – e principalmente àqueles mais inquietos e brilhantes – para momentos de desespero e depressão como culpados de todos os males. Muitos de nós gostaríamos de ver em nossas lápides “Fulano de tal, assassinado pelos “outros”. Os grandes artistas – e as pessoas em geral – seriam empurrados, forçados, antolhados de tal forma que as drogas são uma das únicas formas de resistência e de aplacar as dores de um mundo fútil, ingrato, cruel. E além do mais no auge deste tormento nasce uma centelha brilhante e criativa, um “toque” de um Deus louco e por conta disso, o talento irreverente e auto-destrutivo formam a alquimia – isso é o rock´n roll, afinal, não é baby? , que deu à luz toda esta arte , todas estas obras -primas.
Será isso mesmo? Será que todas estas provações e angustias não são as mesmas de milhões de outros homens– talentosos ou não? Será que as pessoas não bebem ou “mandam” simplesmente por que é bom. Por que tomaram a primeira vez, se sentiram bem e quiseram mais uma, e mais outra e de repente se viram incontrolavelmente dependentes, doentes? E será que elas não fizeram tudo o que fizeram de louco, sublime, eterno e perfeito apesar de toda aquela droga e não por causa dela?
Alguém, neste ponto, deve estar dizendo “ ih, olha só quem ta falando”. Ta certo. Com razão. Quem sou eu mesmo, na ordem deste dia? Mas é que eu não sei não, meu amigo. Aquela história toda do “dez anos a mil do que mil anos a dez” ou aquela do cadáver bonito ou ainda o “porque continuar vivendo aos 25” não me desce mais. Vai ver, talvez, é por que eu já esteja muito velho pra morrer cedo.

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