
O então critico de cinema do diário carioca A Manhã (embrião da poderosa Rede Globo) ficou muito impressionado com a “ projeção”:
_ “ Na saída do cinema havia no rosto de todos uma certa surpresa. Ninguém dizia, por exemplo: ‘ que Bobagem essas fitas fantásticas de gente que vira bicho!” ... havia respeito, havia impressão. Coisa simples: no fundo, arte.” ( extraído de , O cinema dos meus olhos - Cia das Letras/91)
A estória toda é sobre uma maldição familiar. As mulheres de certa linhagem eslava se transformam em panteras na hora do amor. Já não era novidade. Existe todo um respeitável lore a respeito das criaturas que se transformam em lobos e outros animais – principalmente entre os povos nórdicos e balcânicos. Lendas rústicas de aldeias onde crimes eram cometidos por homens-lobo são comuns na idade média. De quando em quando o gênero ressurge, com seu estranho fascínio. Mesmo nos primeiros tempos do cinema o tema era visitado, porém com qualidade duvidosa – para Vinicius – até aquele momento:
“ Cat People tem todas as palmas, indubitavelmente. No gênero é o que há de melhor, e como cinema é uma jóia de direção, sem falar da misteriosa carga de revelação que traz, levando toda hora o espectador para lá do puramente humano e cinematográfico".
De lá pra cá muitas filmes trataram da crença na licantropia. Posso destacar, rapidamente O Lobisomen Americano em Londres e algumas outras boas películas. Acontece que falta a estes filmes o que sobra nesta outra série. A perigosa fatalidade da mulher.

Há o tenso enfrentamento do triangulo amoroso até uma luta final. Eu pagaria pra ver esta cena, da metamorfose final, “tão delicada de tratamento, que um diretor fraco poria irremediavelmente a perder, é feita com uma desenvoltura que não dá a menor margem ao ridículo ” sempre, segundo Vinicius. O Diretor francês Jacques Torneur fez um filme curto, com movimentos de câmara e cenas considerados muito ousados para 1942 .
Truffaut também viu o filme e ficou impressionado. Em seu Filmes da Minha Vida falou da singular direção de , para eles franceses, La Féline: “ é característico do estilo do realizador J. Torneur. Um estilo todo sugestão que se vale dos homens e da luz, e suas nuances em geral, para instaurar a angustia, como em Rendevouz avec le peur e La Griffe du passé, dois de seus filmes mais importantes junto com Feline e também produzidos por Val Lewton.”
Sangue de Pantera marcou a estria da parceria entre Torneur e o produtor Val Lewton para a RKO de médias metragens B e longas tipo A (nos anos quarenta se assistiam ainda os mettre sur pied). Foi apenas o começo de uma fantástica colaboração entre os dois homens.
Cat People, 73 minutos (EUA): 1942
Estúdio: RKO Radio Pictures Inc.Distribuição: RKO Radio Pictures Inc.
Direção: Jacques Tourneur. Roteiro: DeWritt Bodeen .Produção: Val Lewton Música: Roy Webb Fotografia: Nicholas Musuraca. Direção de Arte: Albert S. D'Agostino e Walter E. Keller Figurino: Renié Edição: Mark Robson
Elenco: Simone Simon (Irena Dubrovna)Kent Smith (Oliver Reed)Tom Conway Jane Randolph Jack Holt
O filme foi tão marcante que dois anos depois lançou-se uma seqüência. Nas mãos de Robert Wise (vencedor do Oscar de 1961 com West Side Story) um roteiro sobre a solitária filha de 6 anos de Oliver e Alice (Jane Randolph). Ela deixa o pai sempre preocupado, pois é uma menina com uma imaginação fértil e não sabe diferenciar fantasi
a da realidade, o que acaba fazendo com que não tenha amigos de sua faixa etária. Oliver se preocupa porque a filha começa a exibir tendências psicopatas semelhantes às de Irena. Chamado no Brasil de A Maldição do Sangue de Pantera (The Curse of Cat people, 1944). Também não vi este, e tampouco qualquer outro poeta ou critico que eu saiba. Apenas conheço e respeito o trabalho de Wise e consegui ler, aqui e ali, algumas boas criticas.


Estúdio: RKO Radio Pictures Inc. Distribuição: RKO Radio Pictures Inc.
Direção: Bob Wise e Gunther von Fritsch Roteiro: DeWitt Bodeen
Produção: Val Lewton Música: Roy Webb ElencoSimone Simon, Kent Smith, Jane Randolph ,Ann Carter, Eve March, Julia Dean ,Elizabeth Russell ,Erford Gage, Charles Bates ,Joel Davis
Digo tudo isso para chegar onde eu queria. Efetivamente no ano de 1982 , quando realizou-se o filme foda desta semana:
A Marca da pantera (Cat People) , 1982.
A Marca da pantera (Cat People) , 1982.

Desta copula bestial nasce na poeira pré-histórica, e se perpetua pelos séculos, esta raça peculiar: The Cat People.
Não é das mais fáceis a vida deste povo. Eles mantém a aparência física de seres humanos comuns, exceto por um "quê" felino nos olhos e uma ardilosa leveza no andar. Apresentam todos os apetites dos mortais. A coisa, todavia, se complica na hora dos, digamos assim , “ colóquios do amor”.
No calor da luta do sexo, no estertor do orgasmo eles se transformam em seus selvagens ancestrais e matam seus parceiros. A arte do sexo só lhes é permitida com os da própria e amaldiçoada raça. Nasce pois drama quando o roteiro num tom de maldição, paixão impossível e fetiche ( escrito por Alan Ormsby que brindou o mundo com a serie Porkys) deixa claro que só existem dois cat people no mundo e que – como seus progenitores- são irmã e irmão.
Desta matéria que PauL Schrader ( de American Gigolo) constrói o mito. Com muita perversão, uma gloriosa luxúria e uma boa dose de ridículo. Lembro de ter assistido pela primeira vez numa Sessão de Gala da Globo. Uma madrugada de sábado que me fez subir pelas paredes , no alto dos meus 11 anos.
O filme se alterna entre um corte de realidade, o tempo presente em New Orleans e os desertos onde se formaram os homens-felinos.
Nastassja Kinski é a estrela como a irmã mais nova Irena. Ela é órfã e se encontr

Ele pressente o perigo naquela mulher. Por outro lado percebe que ela é tudo o que ele sempre esperou, assim como os leopardos na jaula parecem à espera de algo. Forma-se, pois um complexo triângulo. Irena tem medo do irmão e do incesto. Teme o cara do zoológico por que ele a ama. Se ela deixar-se amar terá que matá-lo. O curador se encanta com a treta toda mas não pode levar sua paixão a cabo, pois pagaria com sua carne. O irmão é perverso e incestuoso.
Surgem coadjuvantes interessantes como a amiga sensitiva e o camarada que tem o braço arrancado pela pantera.
O veterano dos efeitos especiais Al Whitlock e o cenógrafo Ferdinado Scarfiotti criam um mundo estranho, magistralmente fotografado . Um mundo artificial de caudalosaa areia laranja e estranhos altares ritualisticos para homens e leopardos. Um mundo falso e real como o planeta de neve em O Império Contra-Ataca.
A coisa se sustenta principalmenteno erotismo e na performance de Nastassja. Alvo da obssesão suicida de dois homens ela nunca overact, não dá um mau passo. Pisa e ama como a pantera. Todos queremos morrer por ela.
Sua atuação explica a intrincada textura do desejo. O limite entre a sacanagem e a bestialiade. Velho drama do amor. Irena é aterrorizada por sua sina, enquanto o curador fica obcecado exatamente por isso. Por essa mulher perigosa e diferente. A solução é dada quando ela assume a sua "pantera interior"( inner-pussy diria meu amigo André Scheinkman) e se deixa domar na fascinante seqüência de bondage . Confesso que foi esta cena que me levou a escrever tudo isso aí.

As luzes e sombras tremem em Nastassja Kinski e dão calor a esta pouco usual , anormal e estranhamente obscena (se um pouco tola é por que todas são) história de amor.
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