sábado, 17 de novembro de 2007

Um pouco do Pasquim

Durante as duas décadas em que a Ditadura Militar floresceu, cresceu, recrudesceu e caiu de podre, nasceram e morreram cerca de 150 periódicos que tinham em comum a inegociável oposição ao regime estabelecido. Oposição intransigente em nível ideológico, estético, editorial. A história costuma chamar estes periódicos de imprensa "alternativa" ou de “imprensa nanica” (termo pejorativamente cunhado pela propaganda oficial do regime que remetia ao tamanho dos pequenos e virulentos tablóides que rebentaram, aqui e ali, no Brasil deste período).
A pequenez atribuída à estes jornais não é considerada pela história quando olhamos, criticamente, o período em retrospectiva. A imprensa alternativa representou um contraste violento contra a corrupta complacência da "grande imprensa" com os militares e seus áulicos. Representou uma ilha de humanidade, independência e bom humor em meio à uma época tão gris e de mau gosto. Representou ainda, um canal de conexão do Brasil com as inúmeras mudanças sociais, comportamentais e culturais que agitaram o cenário mundial na época. Não fossem nossos “ nanicos” não saberíamos dos movimentos feministas no mundo inteiro, dos movimentos sociais, os Panteras-Negras , do Flower power” que não “aconteciam” nos velhos jornalões - alguns comprometidos até os ossos com o regime e com seus mantenedores. Outros que começaram a ensaiar uma oposição “chapa-branca’ quando o calo apertou no começo dos anos 70.
O discurso triunfalista do período do milagre, brado retumbante da propaganda oficial ( e que encontrou nas Organizações Globo, seu braço forte) seria uníssono não fosse a oposição ( até certo ponto ingenuamente utópica por vezes debochada ) da imprensa alternativa.
Segundo Bernardo Kucinski a imprensa alternativa surgiu “ do desejo das esquerdas de protagonizar as transformações que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais de espaços alternativos à grande imprensa e a universidade”. Esta definição é importante para que percebamos que a massa de periódicos da imprensa nanica não compunha um grupo uniforme e homogêneo. Existiam publicações que eram verdadeiros canais de expressão de organizações políticas e partidárias como o Opinião e o Movimento, ligados ao Partido Comunista e a aparelhos da extrema esquerda . Existiam os compostos por jornalistas e pensadores libertários que tentavam cavar um espaço que lhes era negado na grande imprensa. Neste caso o grande exemplo foi o Pasquim.

A partir destes dois veios fundamentais surgiram mais de uma centena de periódicos - que, de uma maneira ou de outra, sacudiaram a poeira da ditadura – e procuravam enveredar por um terreno particular (ecologia, contracultura...) sem que se perdesse o ideário principal, qual seja: a oposição intransigente e a afirmação da necessidade de mudança do regime político.
Capitulo à parte neste período, O Pasquim foi o maior símbolo da resistência da imprensa neste período conseguindo cair no gosto popular e entrar para a história como a mais importante publicação alternativa do país. Nascido na fase de incubação do AI-5, (primeiro semestre de 69) o pasquim desde pronto já provocou espécie na estrutura da mídia brasileira – um jornal sem patrões, em que os colaboradores pudessem escrever o que quisessem. Parecia até uma piada (um tanto sinistra como afirma Ruy Castro) pois na época de seu lançamento já havia censura à imprensa e algum dos colaboradores já havia sido presa ( como Ziraldo e Paulo Francis). Falando em piada o genial cartunista Jaguar (um dos fundadores oficiais do jornal, ao lado de Sergio Cabral e Tarso de Castro e Claudius) antecipou o provável comentário depreciativo que o regime faria da publicação e acolheu o nome de O pasquim.
No primeiro número (de 26 de julho de 69) um editorial de Millor Fernades _ que havia experimentado experiência semelhante com o seu Pif-Paf_ deixava clara a linha do jornal: se ele fosse independente o quanto pretendia seria fechado, se não fosse fechado era porque não conseguira a independência sonhada.
O Paquim sobreviveu ao período mais duro do AI-5 por que , segundo Ruy Castro era difderente do que todo mundo esperava. Os milicos, que não tolerariam uma oposição política explicita, custaram a perceber que o deboche na área dos costumes e da cultura o tornava ainda mais subversivo”
Era o que diferia o Pasquim de, por exemplo, um Opinião. Era um jornal de esquerda, mas não ligado organicamente ao partidão. Estava mais para a famosa esquerda “festiva” de Ipanema. No primeiro momento a redação do pasquim era uma plêiade de talentos da inteligência brasileira. Colaboravam, alem dos diretores, Millor, Ziraldo, Francis, Fortuna, Henfil, Ivan Lessa, Luiz Carlos Maciel entre outros. Além das colunas permanentes dos dois mais importantes artistas da terra, Chico e Caetano, naquele momento, exilados em Roam e Londres, respectivamente.
Entre as mudanças mais marcantes que O pasquim trouxe uma era a colquiedade do texto (que parecia “falado” e não escrito) e da arrojada direção de arte (a cargo de Carlos Prósperi) que permitia que o Olimpo dos cartunistas brasileiros deitasse e rolasse. Sem falar das consagradas entrevistas, de microfone e garrafa aberta, que virou a marca do jornal.
A circulação do jornal decuplicou dos iniciais 14 mil até 140 nos números 22 e 23. A partir do numero 39 o jornal ficou sob censura que culminou com a prisão, em novembro de 1970 de nove de seus membros ( epa!!!). A aura revolucionaria do martírio deu ao jornal popularidade ainda maior. No período da prisão dos principais redatores o jornal funcionou sob a batuta de Millor Fernades , ladeado por Henfil e Martha Alencar. O jornal dizia que os presos políticos estavam “gripados” e por isso não escreveriam nas próximas edições.
Até 1975 (quando o sonho acabou ????) , aproximadamente , O pasquim foi a publicação ponta de lança da imprensa alternativa nacional. Outras publicações além das já citadas, marcaram o período desde o Sol até o Nanico, emblematicamente o ultimo dos jornais de oposição ao regime já no período intenso da abertura. A importância da imprensa alternativa é lapidar para história do jornalismo no Brasil. Seja como uma das ultimas manifestações da utopia libertaria, seja revelando e consagrando grandes nomes do jornalismo, seja servindo de voz dissonante da cantilena militar. Com o fim do regime militar os nanicos perderam o sentido e a resistência se dispersou na política ou em órgãos e publicações consoantes ao período de mudança democrática.

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