Dizem que o velho Ibrahim Sued, no começo da sua carreira, contava apenas com dois ternos e algumas poucas camisas para compor o seu personagem de pequeno escroque bem relacionado que o transformou, alguns anos depois, no jornalista mais bem pago do país. Acontece que este par de ternos recebia um tratamento cuidado no que diz respeito a tinturaria – na noite em que um estava vestindo o “turco” o outro estava sendo devidamente lavado e engomado. Aliando isso a um processo meticuloso de apresentação das camisas – com colarinhos impecáveis, imaculados – e um barbear cubano – o velho Sued não fazia feio nas recepções no Copa, nos cassinos da Urca e Quitandinha e nos saraus de grã-finos.
Procurei adotar um pouco desta técnica no meu período carioca. É certo que os tempos eram outros – sem cassinos – e tudo o mais; e o escroque em que pretendia me tornar deveria ser muito mal relacionado por conta do meu pequeno interesse e grande dificuldade em fazer amigos. Na verdade, não tinha certezas e nem convicções fortes onde me apoiar, estava naquele compasso de espera que geralmente leva a degeneração, vicio, ócio e essas coisas tão condenáveis. Os grandes escritores sempre estiveram apoiados em convicções sólidas (ou no caso de Hemingway nas montanhas nevadas de Sun Valley, no Idaho), e eu já tinha entendido um seguinte recado: o individualismo canibal dos tempos nosso tinha feito ajustes drásticos em nossas vidas.
Antigamente, um homem com uma variedade normal de habilidades podia chegar em uma outra cidade, com uma mão na frente e outra atrás, e achar um oficio ou um emprego que pagaria suas despesas inescapáveis, dando-lhe ainda chance de aproveitar um pouco com as atrações locais.
Hoje em dia para conversar com alguém, você precisa contratar alguém para falar por você, ter uma série de registros, contatos, indicações, habilidades especificas – além de ser preferencialmente veado ou mulher. Isso tudo é um pouco triste, e vemos multidões se molhando nos pés–sujos, sem ter pra onde ir. Homens fortes e produtivos humilhados e cuspidos para fora do tapete. É mais ou menos isso, mas o que eu queria dizer é que no tocante aos colarinhos – pelo menos - eu pouco ficava devendo ao falecido Sued.
Tudo em razão de uma tática que desenvolvi, no banheiro coletivo deplorável que compartilhava com centenas de desvalidos na pensão mais barata da Glórian, `a Rua Benjamin Constant. Comprei uma daquelas garrafas de água mineral de cinco litros, que tem o tamanho de um pequeno bujão. Fiz um corte seccional quando começa o ângulo que vai da parte raiada , onde está o rotulo plástico, até o gargalo. Desta maneira eu tinha um pequeno balde de aproximadamente 4 lts de capacidade , com o interior todo sulcado, como o das taboas de lavar roupa. Era ali que eu esfregava na água fria do chuveiro do fim do corredor, as mangas e os colarinhos das minhas belas camisas tropicais (todas presenteadas por mulheres apaixonadas ou condoídas do meu molambo, em outros momentos da existência).
O golpe era utilizar dois produtos – que eram sempre vendidos casados e sempre estavam em promoção. Dois tipos de sabão em pó, cada qual responsável por uma função. Não me lembro direito os nomes, mas era bem barato.
Depois pegava as camisas todas botava dentro de um saco de lixo e colocava dentro da mochila. Pegava também uns 4 ou 5 cabides, comprava o jornal ( as vezes o JB, as vezes o Globo, as vezes o Lance) e duas latas de cerveja bem geladas. Toda a preparação custava menos de 10 reais (mesmo valor da diária do quarto sem ventilador). O fim do truque era espalhar as camisas em seus respectivos cabides em espaços bem escolhidos, por mais ensolarados, dos galhos dos sombreros plantados no começo do aterro, ali bem perto da Marina da Glória. Antes de matar as duas latas e de chegar no ultimo caderno do jornal, as roupas estavam secas e impecavelmente limpas e esticadas. O sol do Rio faz isso com as coisas. Dava os últimos goles de cerveja divertido, assim como os moradores daquelas arvores que não escondiam a graça no meu ritual, as minhas roupas ali “dependuradas qual bandeiras agitadas, parecendo um estranho festival”.
Algumas camisas iam para o armário, eu escolhia a minha guayabera cor-de-rosa e saia de peito aberto pelo velho Rio. Minha ronda acabava geralmente na região da Cinelândia. Ficava ali, perto do teatro Rival, vendo os caras que iam mostrar seus sambas no bar Carlitos na esperança que o Zeca Pagodinho incluísse algum em seu próximo disco. Eu ali, meio de bobeira, meio sem ter pra onde ir e fazendo render um chope o máximo de tempo. Me sentia porém, inegavelmente mais confiante. Como um Ibrahim Sued do sul, eu tinha sempre o colarinho mais limpo da praça.
Procurei adotar um pouco desta técnica no meu período carioca. É certo que os tempos eram outros – sem cassinos – e tudo o mais; e o escroque em que pretendia me tornar deveria ser muito mal relacionado por conta do meu pequeno interesse e grande dificuldade em fazer amigos. Na verdade, não tinha certezas e nem convicções fortes onde me apoiar, estava naquele compasso de espera que geralmente leva a degeneração, vicio, ócio e essas coisas tão condenáveis. Os grandes escritores sempre estiveram apoiados em convicções sólidas (ou no caso de Hemingway nas montanhas nevadas de Sun Valley, no Idaho), e eu já tinha entendido um seguinte recado: o individualismo canibal dos tempos nosso tinha feito ajustes drásticos em nossas vidas.
Antigamente, um homem com uma variedade normal de habilidades podia chegar em uma outra cidade, com uma mão na frente e outra atrás, e achar um oficio ou um emprego que pagaria suas despesas inescapáveis, dando-lhe ainda chance de aproveitar um pouco com as atrações locais.
Hoje em dia para conversar com alguém, você precisa contratar alguém para falar por você, ter uma série de registros, contatos, indicações, habilidades especificas – além de ser preferencialmente veado ou mulher. Isso tudo é um pouco triste, e vemos multidões se molhando nos pés–sujos, sem ter pra onde ir. Homens fortes e produtivos humilhados e cuspidos para fora do tapete. É mais ou menos isso, mas o que eu queria dizer é que no tocante aos colarinhos – pelo menos - eu pouco ficava devendo ao falecido Sued.
Tudo em razão de uma tática que desenvolvi, no banheiro coletivo deplorável que compartilhava com centenas de desvalidos na pensão mais barata da Glórian, `a Rua Benjamin Constant. Comprei uma daquelas garrafas de água mineral de cinco litros, que tem o tamanho de um pequeno bujão. Fiz um corte seccional quando começa o ângulo que vai da parte raiada , onde está o rotulo plástico, até o gargalo. Desta maneira eu tinha um pequeno balde de aproximadamente 4 lts de capacidade , com o interior todo sulcado, como o das taboas de lavar roupa. Era ali que eu esfregava na água fria do chuveiro do fim do corredor, as mangas e os colarinhos das minhas belas camisas tropicais (todas presenteadas por mulheres apaixonadas ou condoídas do meu molambo, em outros momentos da existência).
O golpe era utilizar dois produtos – que eram sempre vendidos casados e sempre estavam em promoção. Dois tipos de sabão em pó, cada qual responsável por uma função. Não me lembro direito os nomes, mas era bem barato.
Depois pegava as camisas todas botava dentro de um saco de lixo e colocava dentro da mochila. Pegava também uns 4 ou 5 cabides, comprava o jornal ( as vezes o JB, as vezes o Globo, as vezes o Lance) e duas latas de cerveja bem geladas. Toda a preparação custava menos de 10 reais (mesmo valor da diária do quarto sem ventilador). O fim do truque era espalhar as camisas em seus respectivos cabides em espaços bem escolhidos, por mais ensolarados, dos galhos dos sombreros plantados no começo do aterro, ali bem perto da Marina da Glória. Antes de matar as duas latas e de chegar no ultimo caderno do jornal, as roupas estavam secas e impecavelmente limpas e esticadas. O sol do Rio faz isso com as coisas. Dava os últimos goles de cerveja divertido, assim como os moradores daquelas arvores que não escondiam a graça no meu ritual, as minhas roupas ali “dependuradas qual bandeiras agitadas, parecendo um estranho festival”.
Algumas camisas iam para o armário, eu escolhia a minha guayabera cor-de-rosa e saia de peito aberto pelo velho Rio. Minha ronda acabava geralmente na região da Cinelândia. Ficava ali, perto do teatro Rival, vendo os caras que iam mostrar seus sambas no bar Carlitos na esperança que o Zeca Pagodinho incluísse algum em seu próximo disco. Eu ali, meio de bobeira, meio sem ter pra onde ir e fazendo render um chope o máximo de tempo. Me sentia porém, inegavelmente mais confiante. Como um Ibrahim Sued do sul, eu tinha sempre o colarinho mais limpo da praça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário