sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Noel - o Poeta da Vila é um tremendo abacaxi

Eu sei que é feio e eu não devia, pobre fariseu que sou, ficar falando mal dos outros. Do "trabalho" dos outros então, nem se fala. Mas como ninguém vai ficar sabendo mesmo, vá lá.
Fui assistir a estréia de Noel - o Poeta da Vila , dirigido por um tal de Ricardo van Steen - no meu querido Cine Luz. ( prometo para mim mesmo que dia desses paro para falar uma ou duas palavras sobre o Cine Luz ).
Toda vez que fazem um filme assim- sobre a vida dos nossos melhores cidadãos -o pânico toma de assalto pessoas como eu. Me recusei a assistir o lamentável filme sobre o Garrincha, que segundo consta é um verdadeiro vexame. O pior filme que eu assisti nos ultimos trinta anos foi "Madame Satã". Pelicula indefensável e escrota - um arremedo sodomita de baixa extração.
Ainda está para nascer o allen que vai filmar a nossa "era do rádio" com a classe e o respeito que ela merece. Todas as tentativas até agora foram absolutamente constrangedoras. Soam mais falsas do que todos os filmes gringos sobre o brazil juntos - desde welles, passando pelo pato, as boates da carmen miranda e até o Michael Caine no Rio- blame it on.
Bom devido o adiantado da hora , serei rápido.
Sobre o tema - o os grandes compositores, a velha lapa e etc.. eu lembro que havia assistido dois - como chamarei ?- curtas. Um é o nosso Bar Babel - será que era isso ? com toda a fauna de artistas imortais (aqueles que não tem onde cair mortos) curitibanos fazendo as vezes dos grandes nomes do samba da época e repetindo os clichês que qualquer imbecil de ouvidos atentos sabe; dos balcões dos bares, especiais da globo, entrevistas do Ivan Lins e encartes de disco... Se não me engana a memória a coisa vinha junto com um disco muito bom do Maxixe Machine ( que é realmente muito bom) e alguns bons amigos meus estão envolvidos e coisa e tal. Mas o resultado é, como se dizia antanho, um poderoso abacaxi, capaz de fazer corar as faces mais sem-vergonhas ( como as minhas).
O outro filme é um curta abominavel chamado - a memória tem me falhado, rapaz - " Com que roupa ?" e mostra uma caricata versão da inspiração do Noel e o "processo de criação" de seu primeiro grande sucesso. É uma grande falta de respeito - Noel apresentado como uma ingenua piada. Pois bem.
De posse destas duas lembranças, me acendeu uma luz de esperança. Não poderia ser a nova "fita" , de nenhuma maneira, pior que as outras duas, certo??
Pois é , meus amigos. Aí , é que a porca torce o rabo. No fundo, é absolutamente a mesma coisa, com alguns agravantes.
Chegando ao humilde barracão dei uma googlada para tomar um conhecimento sobre a obra ( é uma das maravilhas dos tempos modernos, livros e filmes tem os seus complementos digitais de graça, um brinde a isso).
Cheguei até o diretor , o tal van Steen, a partir de então, muita coisa fez sentido. Descobri que ele é mesmo cara que fez o outro filme " Com que roupa?" e que ele está em Paris há uns 15 anos apenas tentando fazer este, só interrompendo seu exilio obcecado para alguns trabalhos com seu amigo de fé e irmão camarada Pedro Bial. Porra quinze anos em Paris urdindo um plano para aviltar a memória de Noel Rosa? Ora, vá para a puta que o Paris.
Depois conta-se que o filme é baseado na biografia escrita pelo João Máximo e o Carlos Didier, aquela que desde seu nascimento se pretendeu a palavra final, definitiva e sagrada sobre o Noel.
E que é de fato um livro indispensável, importante e tudo mais. mas que também é meio mandrake , cheio de furos, distorções, pretensiosamnete explicativo e eu atribuo isso ao tal Didier - pois o João maximo é um cara que merece todo o respeito.
Tinha um disco também com coisas inéditas, e regravações de músicas esquecidas e lembro que, na época, a idéia nos pareceu espetacular.
Tudo isso aconteceu antes de Leon Barg. Depois do milagre do Revivendo pudemos constatar que o produto - senão todo ele - pelo menos a parte musical era como que uma farsa.
Chegamos ao filme, propriamente dito. Num paragrafo ou dois:
Noel caminha por uma rua da Lapa com seu jaleco de estudante de medicina. Pára numa esquina onde um crioulo faz o jogo do pinguim. Ele desmarcara o crioulo na frente dos patos e os dois saem no tapa. O crioulo revela-se Ismael Silva ( voce está falando do grande ismael Silva diria Lucio Rangel). Feitas as pazes Ismael leva Noel num boteco onde estão ( todos vestidos de malandros de boutique) Cartola, Nilton Bastos, Vadico, Wilson Batista e sei lá mais quem. Esta´lá também Wilson da Neves - que homem elegante é o Das Neves- num papel absurdo do chauffeur que canta os sambas que o Noel do filme finge mal e porcamente tocar no violão enquanto eles andam num Ford bigode sempre pelas mesmas ruas do Rio antigo.
Depois fica naquela - clichês para mostrar a familia peculiar, os vicios, um carnaval patético, uma nova versão para a inspiração de "Com que roupa?" ( um pouco mais perto da verdade), o bando de tangarás... Então a coisa descamba para numeros musicais nas radios, nos cabarés, e num café Nice ( a direção de arte tem seus méritos, tem seus méritos) onde estão sempre todos ao mesmo tempo -Orestes Barbosa, Ismael, Kid Pepe,Wilson Batista, Aracy e outros- fingindo (mal) que estão bebendo e jogando sinuca e tocando samba com aquela cara de bobo, que quem se acha superior por que é do samba "de verdade" tem. Credo. O Rio é infestado destes caras.
No fundo o filme é um pretexto para botar estes caras tocando em regionais em cenários como a Radio Nacional, o Cabaret Apollo. Uma ação entre amigos, como geralmente são os filmes nacionais .
É um filme basicamente daquele Luis Filipe Lima que, a parte de ser um bom instrumentista ( fez a trilha os arranjos, a seleção musical, deve ter descascado os limões, o escambau...), é daqueles "paladinos da música de raiz" ou seja; antes de tocar qualquer peça ele tem que fazer um discurso de 15 minutos.
O "negoço" vai indo assim. Não que não tenha nada de bom. Tem a música espetacular de Noel ( em versões 446), tem uma fotografia, por vezes, interessante dos cartões postais do Rio - uma bonita cena da Camila Pitanga na imunda Praia Vermelha ( vê-se que ela não teve a mãnha de se jogar no mar colifórmico). Tem também o Supla engraçado e canastrão como o Mário Lago, um Pereio sem jeito e mal aporoveitado ( e o médico do Noel era um personagem interessantíssimo e que além de tudo fez o parto - acidentado - do Noel e o do Tom Jobim) .
O cara que faz o Noel ( apesar de mal ator e meio paspalho) é igual o Noel, tem o physique du role, um verdadeiro achado. Imagino que o diretor só tenha decidido vir de Paris para cá por que o Pedro Bial achou este cara. A cena da mulher do Cartola dando o famoso banho até que é simpática.
De resto as soluções do roteiro - que entre outras coisas peca pelo excesso, quer botar todos os fatos, pessoas e trechos de música na mesma cena - para o casamento com a Linda, para toda a questão do " antonico" e para a - Deus que nos perdõe - polêmica com o Batista são a.b.surdas . Assim como todos os dialógos. Sei que eu tou pegando maio pesado. mas é que é brabo mesmo.
As cenas de musica não são as mais terriveis da história. Perdem para as dos dois Orfeus - o negro ( "o cenário é uma beleza , pena que os atores fiquem na frente"disse o sábio Ruy Castro) e o do Cacá Diegues que é hors concours.
Por fim, a mais feia cena de beijo da história da velha sétima arte.

Nenhum comentário: