sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Alta gastronomia para a juventude

Os três acordes da cozinha punk brasileira – arroz, feijão e bife – são, para o meu gosto, a medida duma boa refeição. Um ovo em cima, como Iggy Pop nas mãos da multidão, é requinte. Não que eu seja de todo um grosseirão, sem modos. Até sei usar os talheres de peixe, (que sempre vomito junto com o vinho branco) mau menino de família boa que eu sempre fui.
No tempo de menino, e que já vai longe, aliás, todos queriam ser poetas ou guitarristas. Depois vieram os videomakers. Hoje somos todos sofisticados cozinheiros, espertos em vinho, e se por acaso numa noite dessas, urinares em uma moita, provavelmente o fará por cima de um chef de cozinha internacional ainda não consagrado. A arte da vez é essa. Reduzir molhos, temperar o arroz “thai jasmine”, misturar maracujá com barreado - tudo, como desde quando era no principio, agora e para sempre, no intuito de tentar impressionar as menininhas.
O que sempre justifica a situação, é claro. O negócio é que este negócio não me pegou. Criado na copa de bares pé-sujo, de Santa Catarina ao Rio, minha coragem gástrica e paladar sempre penderam pro lado da tradicionalista comida de boteco. Terreno onde quase tudo é permitido, menos a frescura. Estas iguarias mantém vivas nesta terra de meu Deus uma legião de criaturas sem cor, que se enchem de vida todas as noites contando mentiras entorpecidas pelos balcões.
Todo este nariz de cera introduz o relato de uma experiência gastronômica autêntica, visceral e inesquecível que a profissão (a melhor entre as melhores) se me obrigou.
O editor me pediu um pequeno artigo sobre comidas exóticas de bar. Pois, mal sabia que pediu ao homem certo. Como sou da aldeia, conheço os caboclos, saí campo fora na carreira em direção às celebres comidas de macho da praça. A coisa começou no bar Giraldi, no trilho do trem do Cristo Rei.
Já faz uns 20 anos a casa importou do pantanal a afrodisíaca receita do caldinho de piranha, que faz o jacaré nadar de costas e nego subir em parede lisa de tamanco. Infusão sugestiva, nutritiva, coercitiva e permissiva com um honesto preço de 4 reais. Ideal para o desejum, com duas cervejas claras.
Deve-se então ir andando até a Praça Osório, coração da cidade, onde há 104 anos empilham-se as bolachas no balcão do bar Stuart. Ali entre o chiaroscuro das tulipas, encara-se a mais ousada libação. Superclássicos “cojones de toro”. Ensopados ou a milanesa, ora, bolas.
Almas fracas enxergam chifres na poderosa poção, uma espécie de uma perversão homo-zoo-erótica, que só pode nascer de cabeças pra lá de doentias. E faz lembrar a velha piada do cara que chegando em Madrid resolveu encarar uns cojones, e ficou encantado com o sabor e o tamanho das peças. No outro dia voltou e surpreso com a mingua da porção foi hablar ao garçom. Este explicou: “... é que nem sempre o toro perde”. Não temos touradas por aqui (pararatinbum), mas os testículos de touro sim. Não é pra qualquer um, entretanto, devo admitir.
A digestão se faz com a perigosíssima mistura de batida de limão com amargo (aqui parêntese importante para os jovens: o consumo compulsivo de álcool leva a uma doença grave, que destrói família e carreiras, há que se tomar cuidado...). A partir daí, de um jeito ou de outro, precisa se chegar no São Braz. Uma outra casa que eu vou te contar, meu parceirinho. Na esquina da Toaldo Túlio com a ponte da 277 , na fachada diz em cima que é o lar dos Irmãos Obrzut. Ali dentro, na vitrine exibem-se algumas das mais saborosas comidas da história dos botequins, com o inconfundível bom gosto dos eslavos – polacos ou ucranianos. Diante da larga oferta, eu geralmente fico na dúvida entre o rim suíno ensopado com pão ou o cérebro bovino a milanesa com limão. Acabo encarando os dois – um de cada vez. E a conversa é sobre a primeira divisão, os velhos faroestes, mulher, a segunda divisão, cachaça branca ou amarela, a terceira divisão, o resultado das 18 horas, estas coisas fundamentais.Por que bar bom tem boa conversa.
Mas o melhor ainda é o porvir.
Após detidas investigações, baseado em indícios e relatos, consegui finalmente chegar a um lugar de sonho. O caminho não é dos mais fáceis – como os que levam às melhores praias. Precisas-se subir, descer, virar à esquerda, à direita, fazer o contorno, tocar em frente, passar a rótula, o tubo do ligeirinho e depois virar a direita e mais duas a esquerda e pronto. Lanchonete Moraes, no Osternack (perto do zoológico).
A única chance de se comer a verdadeira buchada de bode, receita piauiense, sem precisar tomar um navio um avião ou um caminhão. A mágica se dá sempre, e tão somente, às segundas-feiras. O bar recebe bebuns e gourmets da cidade e região até as duas e meia da manhã. A buchada é uma obra de arte (é óbito) com farofa de cuzcuz e uma pimenta de cheiro que segundo consta, matou o vigia.

2 comentários:

chris disse...

ver meu video novo .. extraordinario..
http://de.youtube.com/watch?v=K_9k5NxhknI

Unknown disse...

Gostei do texto e do blog! Mandou bem! E onde fica a Lanchonete do Moraes? Um abraço, Rodrigo.