quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Útimas Palavras

Escrever é fácil, o difícil é fazer anotações diz o Ivan Lessa. Confesso que sou um daqueles tipos que anota e guarda pedaços de papel com inicios de sonetos, chaves de ouro, guardanapos de boteco com anotações de toda sorte. Sempre parecem geniais ao sangrar. Frustrantes e ininteligíveis no dia seguinte. Além de toda esta papelada inútil guardo com zelo farto material que envolve gibis antigos, cadernos de tempos passados, revistas que não mais circulam, capas de disco vazias, álbuns de figurinhas incompletos, rótulos de cerveja que ninguém mais se lembra... Ou seja, todas estas coisas fundamentais na vida de um homem.
De quando em quando é bom fazer uma visita a este arquivo X, que guarda tudo o que há de mais sórdido e escondido na alma da gente. O nosso lado bom. Dia destes (hoje, inclusive) dei de cara com anotações recolhidas numa antologia de ultimas palavras. Os derradeiros suspiros comprovadamente pronunciados por figuras de vulto da história, no ultimo leito.
Por anterioridade e influencia lembre-mo-nos de Sócrates (399 a.C). Do alto de toda a sua sabedoria teria dito ao amigo Crito, segundos antes do ultimo gesto: “Eu devo um galo (o bicho , não a nota de 50) a Eclépio; você vai se lembrar da dívida?” . Simplicidade socrática. Nada como Nero (68 d.C) que, imodestamente, lamentou: “Que grande artista o mundo vai perder” E verdade que as fontes não são lá confiáveis, passados tantos anos. Há outras versões. Como também há duas versões para as ultimas do poeta Rabelais ( 1553): “Desçam as cortinas, a farsa acabou”. E a outra : “ Estou indo para o grande talvez” . Qualquer uma cairia bem. Voltaire (1778) não filosofou no pé da cova. Foi apenas rabugento: “Me deixem morrer em paz”. Seu compatriota Diderot (1784) por sua vez parecia estar numa conferência: “O primeiro passo rumo à filosofia é a incredulidade”, e assim o enciclopedista apagou.
A mais citada e celebre é a de Goethe (1832): “Mais luz”, o alemão pediu antes de descer a treva eterna. Outro alemão genial, Hegel (1831), a segundos de desencarnar foi alemã e pessimista: “Só um homem conseguiu me entender...e ele não me entendeu direito.”. O farewell de James Joyce(1941) também foi nesta linha niilista “ Será que ninguém entende ?”
Há os que desdenham a indesejada, como o historiador escocês Thomas Carlyle (1881) : "Então morrer é isso? Ora...” e mais não disse, nem lhe perguntaram. Há ainda os que parecem finalmente entender tudo como Henry James (1916) : “ Enfim as coisas distintas...”. Parece que Tolstoi (1910) morreu babando, Hendrix (1967) afogado no próprio vômito e DH Lawrence (1930) chamando a enfermeira. Nada digno de anotação. Contam também que o bruxo do Cosme Velho se mostrou satisfeito aos 45' do segundo tempo. “A vida é boa” teria sussurrado a José Veríssimo, para depois virar pro lado e dormir. Graciliano (1953) foi mais realista que Machado (1908): “Estou acabado”.
Mas em matéria de descer a mansão dos mortos nada como o Isidoro (2004), que bebia ali no Bar do Dante. O adeus me foi contado em primeira mão pelos amigos que o acudiram, em vão, após o atropelamento. . Seu Isidoro ao ver que o infinito o esperava, e esticar o pernil, ainda fez uma ultima pilhéria : “ Fecha a minha conta...”.
A batida de botas de José do Patrocínio (1929), político brilhante e grande gozador, lembrada pelo Sérgio Augusto numa remota edição de Bundas – que se perdeu (a revista) pelo nome. Zé do Patrocínio foi longe. Transcrevoi o texto que saiu na edição 21: “ ... condenado pelos médicos a tomara leite humano, pois nada mais o apetecia, à primeira demosntração de dificuldade da enfermeira para por uma colherzinha o leite extraído dos alvos e belos seios de uma ama seca, Zeca abriu um olho e sugeriu: _ Doutor, não seria melhor eu mamar? – e nem sequer para mamar abriu mais a boca”

Um comentário:

MM disse...

lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça

malaco leminski